Erva e Dálias na latrina (Capítulo I, palavras 1023-1509)

H. sentiu-se mal por ter ficado calado, anteriormente. Não conseguia conceber que o homem que escrevera as palavras que o haviam feito apaixonar-se pelo desporto era, afinal, um bêbedo nojento e jagunço. Aquela puta dança para mim! Agora berrava, rasgando o vestido da mulher com os olhos e H. podia jurar que, não tivesse sido interpelado por um amigo de Chad Fields para ir discursar acerca de uma nobilíssima coisa qualquer (talvez da importância daquelas escolas de pugilismo para manter os miúdos longe do crime e da droga ou seria acerca das suas recordações dos tempos áureos de Fields em cima dos ringues), L. L. James lhe arrancaria a roupa ali mesmo. Ainda de pensamento absorto sobre o seu herói, H. fora sentar-se nos bancos do bar que, por detrás de dois biombos japoneses, desertificara à conta do iminente discurso de L. L. James. Pedia um whisky duplo, um copo de água e o troco em cigarros Blue Cherry quando a mulher que dançava sozinha se sentou ao seu lado. Olha-me de volta, implorou-lhe, ao ouvido, a voz doce e rouca. H. olhou por cima do ombro, para encontrar Sarayva. Estava absorto num guardanapo (era de um linho muito branco que contrastava com a sua pele negra-noite), como se dormisse de olhos abertos. Seravya era um homem enorme, de lábios de trompetista. Os olhos de pálpebras cansadas derretiam-se sobre as esplêndidas maçãs do rosto. Era também um homem de palavras graves, molhadas, separadas por silêncios longos. E as pessoas tão brilhantes e pragmáticas como o amigo L. L. James haviam de considerar tudo isto como coisas normais; coisas de um homem velho que sofrera mais de cinquenta contusões, que partira todas as costelas e três ou quatro vértebras, que estivera em coma irreversível mais um par de vezes e cujo coração farto, agigantado e incapaz estaria cingido à incerteza de parar ou rebentar. Vai-te foder, L. L. James, pensou H. Então ficou a pensar se havia dito aquilo em voz alta mas o empregado do bar continuava a esfregar um copo distraído e a olhar as botas. A mulher de vestido púrpura continuava a olhá-lo, aguardando que as suas palavras roucas e húmidas surtissem efeito, como se estas veiculassem um veneno lento, cujo impacto iminente se esperava a qualquer instante. L. L. James dizia agora coisas encantadoras. Este gajo é um perigo, pensava H. A quem o dizes. Merda, agora saltou-me do pensamento e disse-o mesmo. A mulher de vestido púrpura desafiava-o. De onde conhece… mas ela disparou da vida, da cama, das garrafas, da máquina de escrever e dos ringues e dos malditos cães e das corridas de cavalos, das mulheres, dos barcos, dos aviões, dos carros, dos cigarros, dos jantares e das festas como estas e parece-me que ainda trago o nome dele aqui escrito, algures. Tirou a aliança, um anel dourado e simples. No aro interior lia-se L. L. James e uma data qualquer.

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ERVA E DÁLIAS NA LATRINA (CAPÍTULO I, PALAVRAS 437-1022)

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