ERVA E DÁLIAS NA LATRINA, CAPÍTULO VII, PALAVRAS 15052-15815
Era verdade. Alice alimentava-se de H. Apesar de terem jurado uma relação de total descompromisso, num contrato poligâmico que cantava liberdade e libertinagem (da qual ambos beneficiavam com o tácito acordo do silêncio) Alice cavalgava-o todas as manhãs. Cavalgava-o ainda dormente. E era na impulsão sobre o corpo de H. que acordava para o dia, alimentando-se do seu orgasmo como se fosse o café das primeiras horas. H. lambia-lhe as mamas e trincava-lhe os mamilos porque o cérebro reptiliano buscava, faminto, uma gota de leite doce. Alice gritava e agarrava-lhe uma mancheia de pescoço. Depois era H. que gritava; mas o grito saía-lhe agudizado pelo estreitamento da traqueia, um sibilo de morte. As manhãs de alcova eram tratados de violência primitiva. Chama a polícia, ela esta a bater-lhe! E os vizinhos chegaram a pedir socorro e a polícia encontrara até, entre o suor, lágrimas e ejaculações, os rastos sanguíneos que encarnavam os lençóis, testemunhas duma paixão orgânica. Mas de leite, nem uma gota. H. pensava que o leite de Alice saberia a gasosa de cereja; que seria como o leite de Hera e que, jorrado sobre o céu, reformularia a via láctea. Não me perguntes porquê! Quero bebê-lo a acompanhar uma tarte de pêra, uma doce tarte de pêra… E Alice ria-se porque H. dizia-o com olhos sonhadores. Olhava-o com curiosidade de cartógrafo. Era-lhe difícil desvendar H. e, por isso mesmo, explorava-lhe o corpo com violência mineira e olhos oraculares. À procura daquilo que havia em H. mas não noutros meridianos. O que é?, O que é?, O que é? Digo-te depois. Depois de quê? À contraluz, o corpo de H. perfurava o de Alice. Tinha o ritmo pulsante do fracking e Alice gemia O que é, o que é, o que é!?
H. sabia o que era. Ele amava Alice. Amava-a sem a pretensão pueril de ser amado na mesma medida. E não a amava por isto ou por aquilo. O que vês nela? Vai-te foder, ok? o que haveria para ver? e o que tem isso a ver com o amor, pá? e se visse assim alguma coisa, nem sei dizer o quê… de que andas à procura, pá? o que andas aqui a ver? se a cona delas rebrilha de diamantes? se lhes sai ouro pelo cu? andas-lhes à procura de ouro no cu, pá? o que vejo nela? se visse alguma coisa nela, não a amava, isso te asseguro; se calhar amo-a precisamente por isso, por não ter motivos; há uma liberdade honesta, um vulto desenhado por detrás do veludo duma cortina escarlate, que se nos insinua quando estamos despidos de motivos… essa é boa, amor e motivos, amor e motivos, facas e girassóis, elefantes e a bolsa de wall street, tomates em lata e o manto esplendoroso do império romano a lamber as bordas do mediterrâneo… se consigo? pois essa é uma pergunta completamente diferente; provavelmente… ou talvez não.. pode ser que consiga, pelo menos até aquilo acontecer… sabes? até me ser difícil estar ali nas tardes que não são nem sabem ser; nas tardes inconsequentes em que ali estarei e ali estará ela e não teremos mais do que aquilo… àquela hora em que o tempo sobra para nos lembrarmos do para sempre e da vida real e que ali estaremos, olhos de um nos olhos do outro, na ânsia de recuperar o desejo morto, assomados pelo cheiro quotidiano a saco de supermercado… preciso de sair, preciso de sair! Serayva absorvia a loucura de H. e os olhos não denunciavam o menor abalo. O que raio se passa com o homem branco? pensava. Miúdo, vai ser isso tudo..; e o contrário disso tudo Serayva abria as mãos imensas e oferecia as palavras correntes nas veredas das palmas mas, miúdo… abre a guarda e golpeia ou fecha-a e mexe esses pés mas, entre um e outro, não penses; pensar faz-te seriamente uncool… sê como o miles, miúdo, ou como o bird ou o COOLtrane… esses miúdos eram cool; o miles inventou o cool e a vida fodeu-o duas ou três vezes, fodeu-o fundo, tomates a resvalar no cu e o miúdo ficou careca e as editoras e as pessoas e os jornais disseram que ele estava acabado… mas não estava; e aguentou aqueles golpes, fechou a guarda, sempre cool; e depois abriu-a e BAM! Bitches Brew… tão cool. Velho, és capaz de ter razão e, de qualquer maneira, temos de falar dos teus próximos combates… consegui um grande.. conseguimos…! Ah, os combates… O que achas? temos o… Que se fodam os combates, miúdo. Quero que os combates se fodam.