Erva e dálias na latrina, capítulo iii, palavras 5684-7526

Um dos tipos então disse que se foda o P. e as histórias de merda dele. Juro… se eu escrevesse, teria muitas mais histórias e bem melhores do que as dele para contar, histórias memoráveis e verdadeiras! É que eu vivo e ele deve inventar aquela porra toda só para a escarrar numa página de uma revista. Ainda ontem, juro, vi-me numa que, por si, valia um romance ou um guião ou o caralho de um poema… esses gajos dos poemas… poeta, paneleiro, qual é a diferença? Certo? ainda ontem me ligaram do Grande G. e era o meu gajo das apostas de combates e eu disse-lhe, foda-se põe tudo, TUDO no miúdo, no Lewis! Queres dizer no Boris, o nome do miúdo é Boris - corrigiu o outro tipo, ainda recostado sobre o antebraço, tentando manter-se firme sobre as pernas e de jacto viril sobre as bolinhas. Isso, o miúdo Boris! E eu disse-lhe, põe tudo no miúdo, ouviste? E, do outro lado, o gajo disse-me: Roddy, devias ter juízo. E eu disse-lhe, juro que disse, põe.tudo.no.miúdo, assim, juro que se sentiam os pontos finais entre cada palavra, sincopei-as assim e o gajo não disse mais nada mas manteve-me em linha. Ouvia-se, de forma quase imperceptível, o relato do combate a ecoar nas paredes do Grande G. O que ecoavam aqueles golpes, aqueles pés maciços, os rostos orgulhosamente deformados, as pálpebras feitas em papa, a gelatina dos olhos a desfazer-se em silêncio e os lábios fendidos como larvas de borboleta às mãos de uma criança cruel, as orelhas que se descosem da cabeça, o suor em sangue e o sangue suando, gota-a-gota, sobre os pés, sobre o ringue, as costelas e o estômago e o esófago e a boca cheia de vómito e um miúdo a tapar os olhos com as mãos do pai e o pai que não tem pai para lhe emprestar as mãos e um gajo que encosta outro gajo às cordas e eu a ouvir aquilo tudo a ecoar nas paredes do Grande G., a resvalar nos corpos dos lutadores, nos corpos das pessoas e a ir sobrar para um auscultador de telefone só para, por fim, morrer nos meus tímpanos. Que coisa bestial! Então comecei a pensar na S. Estava sozinho no escritório e, de qualquer forma, já tinha as calças em baixo. Já te falei da S.? Claro que já. Penso nessa miúda todos os dias, a toda a hora, a toda a hora, caralho. Juro. Mas ela não me verticaliza, percebes? Ainda ontem a vi e, à frente dela, numa moldura esverdeada e com pontos de ouro e prata e silicatos que reluzem para todos os lados como bolas de espelhos, uma fotografia dela. Foda-se, é que não a compreendo, juro… porque, na fotografia, ela está recostada sobre um corrimão, como se precisasse de se amparar para não cair da fotografia. Sabes? Há pessoas assim, que se amparam para não se deixarem vencer por uma armadilha qualquer, plantada, plasmada numa fotografia. Foda-se, numa fotografia não há reservas e as armadilhas são bênçãos, percebes? Não consigo vir-me a pensar nela. Juro, é-me impossível. Dizem, não te consegues vir quando é amor. E nisto, entra no escritório a B. Pensei que estava sozinho mas ali estava ela, com aquela farda que o M. M. Collins e o outro as obrigam a vestir. Sabes, claro, do que falo. Da saia de pregas, das meias de folhos, dos sapatinhos de verniz, da camisa branquíssima. Mas B. trazia-a quase desabotoada e vinha descalça porque tinha calor nos pés. Calor nos pés, acreditas? Juro que foi o que ela me disse quando lhe perguntei porque estava descalça. Tinha os pés sujos, enegrecidos por baixo mas aquele sorriso era ainda mais sujo e eu conseguia ver-lhe o arfar das mamas sob a camisa mal abotoada. Ela sabia, juro que sabia. Disse-me que se sentia mal por fazer o marido esperar em casa. Que se sentia muito mal e que as mulheres haviam assumido um papel ingrato e que os homens não sabiam lidar com aquele peso porque dantes eram as mulheres que tinham que o tolerar. Tinha um dedo ligado por um penso rápido. Cortara-se a abrir uma lata de tomate, confessou-me. Sou um desastre, um autêntico desastre, dizia ela com aquela voz que é um grito suspirado. Eu disse-lhe que fosse para casa. Ela fingiu que queria ouvir aquilo e agradeceu muito. E por um nada me ia esquecendo do auscultador do telefone ali pousado, pendendo do cabo amarelo em espiral, segredando o relato às minhas virilhas. Voltei a auscultá-lo e ele gritava, em êxtase, Enquanto lá fora nos vergamos ao dia, senhores e senhoras, aos vícios compulsivos dos dias em que acordamos, dia após dia, um fazendo-se no outro e no outro e no outro e no outro, e enquanto a brilhante bota de borracha nos entorta, nos curva à doença perversa do Cosmos ou de Deus ou do homem armado de ciência e de moral e de carabinas M1, enquanto no inverno de lá ao leste chovem homens de paraquedas, enquanto as mulheres dos nossos soldados aguentam o forte ou mesmo quando, num momento de solidão, fodem o carteiro, o talhante, o pastor inapto para as armas e o universitário sem tomates, enquanto os nossos soldados fodem outros soldados e as mulheres deles e se fodem uns aos outros, e comem feijão em lata, deitados sobre uma lona de grau militar, enquanto as avós preparam papas instantâneas e ensinam os netos órfãos a apertar os atacadores e a ler as instruções de preparação das papas lácteas e a distinguir, pelo canto, os gaios azuis dos gaios estelares, enquanto os irmãos de armas largam granadas sobre o povo por honra à pátria e aos patrões das fábricas de armas, enquanto lá fora se acumula invernia nas janelas dos marcos de correio, enquanto tudo continua tudo menos o que morre, o jovem Boris Z. atira, outra vez, Ray V. ao tapete! O gajo estava eufórico, juro! E aquilo começou a dar-me vontade, sabes? Juro. Voltei a pensar em S. e lembrei-me daquela vez em que ela se foi deitar no capô do carro quando o mar ganhava corpo e já soprava alguma frescura que o início do outono prometia. A chapa não estava mais do que morna mas ela foi-se despindo e eu sabia lá até onde iria aquilo tudo. Lembro-me que acendeu um cigarro e deixou-o entre os dedos, desfazendo-se sobre o capô do carro cor de sol cuproso. Mas eu acho que nada disto aconteceu na verdade e nem sei porque formulei esta rábula. Talvez tenha sido para me testar mas S. não me deixa assim, percebes? Só que, quando estava a deixar de estar, B. já lá estava outra vez e eu com aquilo nas mãos e a boca dela cada vez mais perto e as mamas de fora pousadas nos meus joelhos e as pernas já não se lembravam da saia escolhida pelo filho da puta do M. M. Collins e do outro e a língua dela sem freio e os lábios vermelhos e gordos e a saliva a cair-me nos… OH! OH! Ray V. KO, OH! ao quinto assalto. Quando ela saiu, pousei o auscultador no telefone - plim! - deixei-me recair sobre a cadeira e, ao sentir o rabo a deslizar sobre o couro do estofado, lembrei-me das calças nos tornozelos. Subi-as e fui-me mergulhar na noite que estava fria e escura, a lua em fio de anzol, os gatos comiam-se vivos sobre os contentores do lixo e tresandava a mijo, juro, tal como eu gosto.

E S.? O outro ainda urinava mas o jacto perdia ímpeto e ele fazia mira para não molhar os sapatos.

Aí é que está a coisa, meu caro.

(O que diabo se passa com o homem branco?)

É que fui dar com ela (logo com ela!) atrás da primeira porta aberta que encontrei. Depois disto tudo, precisava de mijar e de uma cerveja fresca e logo lá ela, fazendo um garrote aos cabelos com um daqueles elásticos que se trazem no pulso. O que eu gosto de a ver amarrar o cabelo. Ela faz aquele jogo, sabes? Olha-te mesmo para dentro dos olhos, não se fica no alpendre das pupilas e depois põe o elástico no pulso. Então puxa os cabelos para trás, afagando-os com a vivacidade de uma mãe-puma e puxa do elástico para os prender. Depois dá-lhe outra volta e sorri-te sem se desmascarar. Se lhe fores perguntar porque sorriu, ela desmente-te e ri-se de ti e se, depois, lhe perguntares porque se ri de ti ela desmente-te outra vez. Gosto tanto daquilo, sabes? Juro. Então perguntei-lhe pela vida e ela perguntou por mim e pela minha e ficámos ali horas a fio, horas a corda, numa conversa infinitamente interessante sobre coisa nenhuma. Falámos tanto sobre ela que não me lembro de nadíssima. É que fiquei com a sensação que já sabia de tudo e, em simultâneo, estava absorto naquela novidade imensa como foguetes à meia-noite do 31 de dezembro. Depois eu falei-lhe de mim. Ela assim o quis, que eu cá não gosto de falar de mim porque acabo sempre a mentir e as pessoas começam a conhecer-me todo por essa via de enganos. E ela já me sabia de cor antes de eu falar, e sabia-me a verdade. Veio-me à verdade, à febre da verdade. Gosto tanto dela, sabes? Juro. E isto depois daquilo, no escritório com a B. e tudo. E é isto.

Isto? O outro tipo sacudia a pila e não prestava grande atenção.

Sim, pá! Isto! Sabes? E nem a quis beijar ali, um beijo é só um beijo. Nem quis deixá-la sem fôlego em cima de um estrado qualquer nem quis pensar nela a gemer de fúria nem de gozo nem de lascívia, não me quis vir nela nem em cima dela nem nos lençóis onde dormiríamos os dois, como animais nojentos e bárbaros e pegajosos e ressequidos daquela humidade de ocasião. Não quis vê-la a olhar-me de baixo, não quis agarrar-lhe o cabelo preso nem levantá-la para a arremessar sobre um colchão de molas. Não. Juro que não. Quis ler-lhe aquelas coisas, aqueles livros que eu leio e vê-la a ouvir-me ou continuar a falar com ela para sempre e tanto melhor se uma coisa levasse à outra. Tinha acabado de me vir, pá! E, no entanto, ali estava. Pronto para pousar o queixo num beiral e deixar que os pássaros mais estúpidos me cagassem cabeça abaixo só para ela se rir de mim, só para lhe ver os dentes e a língua que não tem, NUNCA, aquela patine branca das pessoas com mau hálito. Disseste-lhe? o outro acabara de a meter nas calças. Não. O que vais fazer? O outro penteava as sobrancelhas ao espelho. Provavelmente vou dobrá-la sobre a secretária e fazê-la morder uma bola. À S.? O outro fechava a braguilha. Estás louco? Mas não ouviste a merda e tudo que te acabei de contar? À B., portanto.

O que diabo se passa com o homem branco?

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