ERVA E DÁLIAS NA LATRINA - CAPÍTULO II (PALAVRAS 2447- 3107)
A CONSCIÊNCIA HUMANA É UM ERRO TRÁGICO, UMA SOBREVOLUÇÃO BIZARRA QUE SÓ PODE TER OCORRIDO QUANDO A NATUREZA ESFREGAVA UM OLHO - Há coisa de oito anos, H. gritava ao ouvido de uma mulher loura. O tempo vestia-se de outras cores, há coisa de oito anos. Ou de outros tons. A música atirava as vozes para a rua. A mulher loura parecia pouco entretida. Rodopiava uma palhinha num copo com uma bebida azul e repetia sim querido, isso é muito interessante… Desculpa-me H. recompunha-se do golpe sabes, eu sou muito, muito tímido; recomeçamos? outra bebida? H. fez sinal ao rapaz do bar duas dizia ele, com dois dedos no ar; estás de passagem? Não, não. vivo aqui; ah, e o que achas disto? disto? sim, disto tudo - deste bar e desta cidade e das coisas que te interessam? Bem, não saberia… acho… bem? acho eu? sim… quero dizer: o clima é OK, sabes? quero dizer… as pessoas são verdadeiramente… OK… e agora comprei um apartamento que não fica longe - ela apontou difusamente para Oeste - e tenho um trabalho e não se pode dizer que ganhe mal… Não pode…? Não!, quero dizer… não é uma fortuna e o ar condicionado… Fala-me da tua casa! Agora era H. quem se aborrecia, extenuado com a voz afectada da rapariga. Ela falava e enovelava o cabelo nos dedos, num gesto mais nervoso do que sensual. E depois a garagem, quero dizer, não que eu tenha carro…! Sim, sim, e o que gostas de fazer? Hum, conviver, beber, hum… festas? Há tanto para celebrar, sabes? quero dizer… a juventude e a vida e isso, somos todos felizardos e devíamos estar agradecidos, sabes? e celebrar, quero dizer… a paz! Qual paz? Então! a paz, aqui! Sim, tens razão H. perguntava-se se tudo aquilo valeria a pena E andas a ver alguém? Não, quero dizer, não de momento… E se fôssemos até tua casa, fiquei muito curioso… Uau! isso resulta com alguma? O que queres dizer? H. brincava, fazendo-se detentor de uma inocência pueril à qual ele tinha a certeza de que ela havia de achar imensa piada… fiquei verdadeiramente curioso com a tua… Não! acabámos de nos conhecer! o que diriam as pessoas, quero dizer, todos aqui no bar viram… OK, deixa comigo. Nisto, H. levantou a voz, para que todos o percebessem claro que estou interessado em alugar-te a garagem, ando à procura de um local de arrumos há que tempos e é verdadeiramente impossível encontrar o que quer que seja nesta cidade, por um preço justo! Ela entendeu. Era o momento da decisão. H. mantinha-se confiante. Ele sabia vender o que quer que fosse, onde quer que fosse. O que interessava era não querer saber da vontade do cliente. H. levantou-se eu pago isto, vamos? Foram. Foram parando, aqui e ali, e a língua dela entrava na boca de H. com o ímpeto de uma serpente. O apartamento ficava num rés-do-chão remetido à sombra durante toda a tarde e, durante o inverno, por uma boa parte da manhã. Estava pintado de fresco e ainda cheirava a diluente de tinta e a resina. Estava bastante nua, para além de uma televisão, duas cadeiras de campismo, um frigorífico, uma mesa de café e, no quarto, um colchão e uma cómoda de língua de fora. Havia um livro na mesa de café. Ela foi refrescar-se à casa de banho e H. folheou-o. Era algo esotérico e falava de extra-terrestres que viviam numa aldeia pacata do interior, abrigados por um casal de hippies reformados. “Josi! Josi! os aliens estão famintos! onde colocaste o diabo do transformador? Preciso de os ligar à corrente, JÁ!” H. imaginou um riso encomendado, em off. Ela saiu do quarto de banho com a roupa interior nas mãos e H. não chegou a despi-la do vestido de verão estampado a flores quentes. Descalça, estava quase tão nua como o apartamento. H. sentou-a na bancada da kitchenette, ajoelhou-se e, com gestos de obstetra, abriu-lhe as pernas.