ERVA E DÁLIAS NA LATRINA (CAPÍTULO I, PALAVRAS 0-436)
ERVA E DÁLIAS NA LATRINA
(CAPÍTULO I, PALAVRAS 0-436)
Mas não era ela.
Não era como ela, nem era como a dela. H. J. Jones sabia-o. E aquela manhã era apenas igual às outras manhãs e o primeiro cigarro não lhe soube ao primeiro cigarro do raiar das madrugadas dela. Tampouco se assemelhavam o gotejar condensado nas vidraças ou o som da pele sobre a pele, o estalido dos lábios húmidos quando se apartam, o bater de asas de um pássaro que pernoita no parapeito. Os dedos delicados não eram como os dela, mesmo serpenteados nos dele. Estes dedos eram de corola ligulada. Os dela eram de violência: magros, compridos, de cartilagens bulbosas, verniz ponteado a despreocupação e sabiam a óleo de motor. Aquela boca perfeita, estampada a metades de cereja madura sobre a página branca de tez pálida, era mais perfeita do que a boca dela. Mas não era a boca dela. Não era a mesma boca de horizonte, não encerrava os mesmos dentes longos e largos nem a mesma língua viva, desejosa de articular os estalidos das palavras molhadas, de se enrolar nas letras e sílabas que se lambem, de se ir rebentar sobre a escarpa dos lábios dele. As notícias da hora certa, acerca de uma certa guerra, eram ditas pela mesma voz de rádio e as mesmas limalhas ferrosas da siderurgia, flutuantes no vento chuvoso, também faiscavam à tangência com a caleira metálica. Ou talvez fossem nuvens que relampejassem pela renovada fricção eléctrica dos dois corpos agora nus, agora despertos. Mas não era o corpo dela, enrolado sobre o dele, embora aquele fosse um belíssimo corpo. Abrindo os braços, H. deixou-se tomar. Fechou os olhos e ela beijou-lhe as pálpebras, a boca, a barriga e tudo o resto, escrevendo-lhe, com a língua, lábios e saliva, um velho, pouco original mas, ainda assim, delicioso enredo molhado. Afagando-lhe o cabelo louro, num gesto de candura, H. permitiu-se crescer entre os lábios dela. Lia-lhe, com os dedos, todos os ossos da cabeça. Reforçado pelo êxtase, ergueu-a em braços, saboreou-lhe a vulva e, à profundidade exasperada do terceiro gemido, penetrou-a. Foram parcos, conquanto intensos, os momentos que os elevaram ao clímax, à apoteose sexual. Mas, chegado ao cume, aquele orgasmo não era o mesmo orgasmo que tivera com ela. Este era contundente. Com ela, fora pintado em tela de veludo escarlate. Este era dilacerante. Com ela, fora derradeiramente elegante. Este exultava uma qualquer paixão intensa, construído com fim a ser vertido num culminar apoteótico, numa longa salva de palmas ao cair do pano. Com ela, o orgasmo fora o início em si mesmo, a própria génese. Com ela, H. sentira, com anacronismo, o primeiro orgasmo da humanidade.