O primeiro influencer
O primeiro Homem estaria só. Claro que o primeiro Homem terá nascido em múltiplos lugares num só momento, ao correr de muitos momentos sós. Imagino que o Homem tenha brotado, aqui e ali, no início do fim do pré-Homem. Pela primeira vez, a solidão era consciente. Haveria decerto um largo historial de solidões cujos cumes coincidiram com a génese sucessivas torres de babel. O primeiro Homem estaria só, medindo forças com uma confusão revolucionária. Mais só estaria o primeiro Homem monológico, confrontado com a primeira necessidade de falar para dentro. Olha, terá dito o Homem durante o primeiro solilóquio da humanidade, e se eu o escrevesse?, entendias-me melhor? Uau! Passava por ali o segundo Homem, que até então se julgava tão só como o primeiro, maravilhando-se ao ver a parede cravada de comunicação. Também ele já tinha visto, no avesso da caverna, os cavalos, bisontes, mamutes, deuses e deusas. Em suma, a simbologia primitiva que representava a matéria de sonho possível. Ali, deixaram de estar sós e o sentido de comunidade atingira um novo patamar rumo ao cume do pluralismo. Ao segundo Homem, ter-se-á seguido o terceiro e o quarto depois deste e por aí em diante, fazendo do primeiro Homem só, só por hipótese, o primeiro influencer. A malha comunicativa abria-se numa copa frondosa, adjacente a tantas outras.
Para quem anda à procura de um sentido: amiga, amigo, estou convosco. Também o primeiro Homem, o Homem mais só da humanidade, o buscava. E encontrou o seu móbil na comunicação (é bem difícil distinguir o vector que dá sentido à vida e o pensamento abstracto de uma vida com sentido). A energia que dedicava à caça e à preservação da espécie agora era repartida com a vontade para-racional de se expressar e talvez encontrar um eco no outro. Uma série de milénios passaram e o Homem ainda comunicava menos do que queria. Inventou a cartografia, as naus, as estradas, as rotas aéreas, a imprensa, a rádio, a televisão e a internet e o mundo atravessou as fronteiras da comunicação até chegar ao clímax mercantilista da Palavra. Agora a palavra vale, em média, menos que nada e, tal como quando as não havia, surgem os novos homens sós, numa solidão repleta de palavras que se espremem em áridos grãos de areia. Faltam-nos as referências. Faltam-nos as novas primeiras pessoas. Outra vez. Que solidão esta, no meio de oito mil milhões de companhias em potência… Faltam-nos as pessoas para quem olhar, os pioneiros de ideias originais. Faltam-nos pessoas exemplares e não peço que apregoem excelentes exemplos (ainda que, se desse para não serem opressores, manipuladores e arautos da causa própria, seria fabuloso mas já me disseram que não se pode ter tudo). Apenas exemplos novos, frescos, que saibam emergir da aridez sufocante das palavras sem freio nem conteúdo, ainda que não faltem, à data, ‘criadores de conteúdos’. Faltam-nos, isso sim, a vontade de inspiração. Os pulmões para suster o ar num mar de confusão em que cada indivíduo é uma ilha, uma máquina de auto-promoção, um produto obrigado a valer-se sozinho, sob o risco permanente de cair num abismo existencial e ser expelido através da cloaca da humanidade. Faz-nos falta olhar para as ideias como agentes que aglutinam, geradores de comunidades. As paixões ganharam uma péssima fama mas faltam pessoas apaixonadas. Pessoas que não nos vendam paixões mas que nos ensinem a apaixonarmo-nos de novo. É que isso é ensinar Liberdade. Um farol que não sirva para verter luz sobre si próprio. Antes, que ilumine uma posição orientadora para que possamos soltar velas, sonhar e cantarolar o refrão dos Foo Fighters: there goes my hero, he’s ordinary.