ERVA E DÁLIAS NA LATRINA, CAPÍTULO VI, PALAVRAS 12849-13965
Nina esculpia um Apolo em vermelho Alicante; um enorme bloco sanguíneo, montado sobre uma prancha com quatro rodas. Media quatro, talvez cinco, metros. Era uma peça em erupção. A toga ondulava-se-lhe nas pernas, desaguando sobre o solo. A beleza do tronco anatómico sombreava-se pelos braços oblongos e havia um aspecto profundamente radicular no relevo dos músculos, como se Apolo estivesse apto, com um só braço, a aflorar todo o ferro e níquel do núcleo telúrico. Ajoelhada sobre a manta que se caía perpetuamente, uma Vénus negra engolia mais de três quartos do falo do Apolo coralino, saboreando-o com a olímpica gula plasmada nos olhos fechados, nos lábios gotejantes de lúbricos humores divinos. Apolo vinha-se gloriosamente. Afagava o cabelo de Vénus, cobrindo-lhe o crânio com o tear de dedos divinos. Da boca, saía-lhe um gemido eterno. Os olhos orgásmicos estavam permanentemente abertos, como os de Serayva nos dias de combate. Jones! Rapaz! Mexe-te, anda, traz-me esse vinho e esse homem de obsidiana. H. sorriu e aproximou-se de Nina. Serayva observava, imóvel, o divino broche de Vénus a Apolo. Percebes, rapaz? Percebes? Nina nascera apenas com uma corda vocal. As palavras entrecortadas faziam-na mais velha do que a sua idade. É Apolo a receber um felácio de Vénus, Nina? H. estava divertido e bebia das garrafas largos goles de vinho. Sim, um felácio divino… isso… vens aqui insultar-me, rapaz? H. estava divertidíssimo. Anda, velho Foi buscar Serayva por um braço e levou-o até Nina. Sim, le combattant… O que te parece, lutador? Quem é mais bravo, lutador? Quantas mulheres to pediram, assim com os olhos, assim como ela lho pede, tout le lait dégoûté? Nina simulava o derrame de sémen sobre os seus lábios. Onde está o gesso? O molde de gesso? Porque torturas estas duas criaturas? H. ria-se. Nina era verdadeiramente brava e extravagante. Também era dotada de uma loucura à tangência do perigo. O gesso? Tortura? Parecem-te esgares de tortura, rapaz? Diz-lhes, Edgar Nina estendia os dedos até aos lábios de Edgar, um rapaz negro de cabelo negro e olhos de abysmo. Tortura, Alice? à quel point vous torturent-elles, les vagues sur ce mât? Alice, depois de um pontual reflexo de vómito, sorriu com a doçura de uma maçã caramelizada. Edgar era um negro belíssimo. Fora nele que Nina vira a sua versão de Apolo de Belvedere. Edgar tinha o condão de contrair, a comando, todos os músculos do seu corpo de mármore nocturno. Alice tinha a cabeça coberta de ostentosos hibiscos e guardava, entre os lábios de tulipas, a tesíssima piça de Edgar. Alice e Edgar não eram modelos de nu. Nina visitava, com regularidade, el nuevo kingpin. El nuevo kingpin, ou simplespente el pin tinha um espectáculo burlesco sofrível. Um piano, um par de queens, duas vietnamitas siamesas e um peludíssimo equatoriano de metro e meio mas que dispunha de mais de vinte centímetros de pénis, quando hirto. El pin era sobretudo visitado por virtude das sete notáveis cabines de prazer. Toquei com os lábios na madeira de todos os biombos perfurados. Todos os dias, lutador, e fazem-se já oito meses e dois dias. Hoje foi o dia dois dessa formulação, oito meses e dois dias. Nunca me fiquei por menos de três cabines diárias e cheguei a provar, numa só matinée, os exsudados da carne de mais de quinze benfeitores. Encontrei-os assim - Nina falava de Alice e Edgar - esta é a minha devoção sacrificial. Sabes como é - Nina largara o martelo e o cinzel de ponta chata e agora, de mão em concha sobre a sarja das calças, envolvia os tomates de Serayva; depois empunhou-lhe o tenso falo oblongo - uma devota acólita do trabalho. Serayva parecia ignorar Nina. H. continuava divertidíssimo Nina, o que se faz com um pugilista na noite em que vence um grande combate? Uma grande vitória? Uma vitória. Serayva olhava as mãos de Nina. Depois pousou os peso dos olhos no aéreo vestido, largo como uma vela de genoa, que era da cor dos cardos parecia florir-se, expondo-se num gineceu de cabelos encrespados. Uma vitória, Serayva? a arte invade o artesão, monsieur combattant; a arte não invade as máquinas nem o método de trabalho nem sequer o pensamento que se apodrece em meios de produção; mas penetra-se no artesão, a arte As calças de Serayva caiam-se à toada dum drama qualquer e a arte nas mãos do trabalhador é um instrumento de prazer, Serayva, não de performance; nunca quis o estúpido entreposto dos moldes de gesso, querido Jones; o gesso não é de carne e eu desejo que a pedra sangre! que se fodam, querido, as pilhas de método e execução; é que repudio o automatismo do trabalho quase tanto como a escravatura; detesto, ao ponto da náusea, a sobreposição balofa de processos; o pensamento quer-se livre, sempre livre e não há eloquência geradora que não sucumba ao peso fascizante dos inventários, das sequências estandardizadas… eu sou livre e olho a obra nos seus olhos de carne e quero que se foda o leite engessado; é-me devida a luz do entendimento acerca da minha obra, porra! eu quero compreender o tutano do trabalho que me sai do corpo; sim, combattant? por fim, o esculpido devora o escultor e o escultor, enfim, devora o que pode. Nina abocanhava o pénis de Serayva que se fizera grosso e reluzente, Alice lambuzava-se com o pénis de Edgar, Apolo esporrava-se de sagrado sémen na boca gulosa de Vénus, o trompete vinha-se na boca do trompetista e, acompanhado do contrabaixista, H. fazia um debochado broche a uma garrafa de vinho. Serayva mantinha os braços cruzados atrás das costas. Nina era enérgica e servia-se da piça de Serayva. A piça de Serayva é como uma agulheta da bomba de gasolina pensava H. Não, claro que não é pelo formato; são os braços cruzados atrás das costas e a verticalidade do corpo e o gemido do velho é feito de estática; o velho é uma bomba de gasolina e tem os olhos postos num lugar oculto e geme como um contador de combustível; descontrola-te, velho. Serayva servia Nina como a agulheta serve um depósito vazio;
Nina banqueteou-se. Da boca encharcada, restou-lhe um fio cremoso que espalhou pelos lábios. Alice segurava agora as nádegas. Edgar tinha-se, tanto quanto se pode, dentro do cu de Alice; e, quando o desabitou, o cu de Alice contraiu-se num peido lácteo. Era como um poço vivo, regressando à conformação pudica das flores nocturnas. H. preocupava-se com Serayva e já ninguém se preocupava com ninguém. Sim, o velho tem os tomates vazios e hoje venceu um combate; o velho também bebeu algum vinho e o combate rendeu daquele dinheiro que desafoga; de que precisas, velho? Não te quero capaz, velho; quero-te bem.